sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Você sabe como agir perante um cão guia?


“É preciso que as pessoas entendam o papel do cão-guia” 



Por onde passa, ela atrai todos os olhares. Toda noite, a PUC-SP pára ao vê-la desfilar a caminho da faculdade de Direito. Layla (pronuncia-se Leila) é americana, de Michigan. Loira, charmosa, muito bem-educada e com um rebolado inconfundível, chama a atenção de todos que a encontram pelo caminho. Não se trata de uma nova “modelo-atriz” que resolveu estudar na PUC-SP


Layla é uma elegante cão-guia da raça labrador, cuja nobre e principal atividade é auxiliar o estudante cego do 5º ano de Direito, Genival Silva Santos, de 27 anos, a ter uma vida melhor. Nesta entrevista, o universitário de Juiz de Fora (MG) conta como perdeu a visão, fala sobre a vida depois do acidente e, especialmente, o que representa Layla, de apenas um ano e sete meses em sua vida. “Voltei a enxergar no dia em que ela chegou”, resume. [...]

A PUC-SP pára quando ela passa. Todo mundo olha, quer brincar com a cachorra. Muitas vezes páro na rampa para conversar com os seguranças – porque sou amigo deles há cinco anos – e já aparecem alunos, professores e funcionários revoltados imaginando que estão impedindo minha entrada e a de Layla. A comunidade fica furiosa exigindo minha entrada porque a lei federal permite que eu circule com o cão-guia em lugares públicos ou privados. Estou apenas batendo papo com os seguranças porque são meus amigos! As pessoas não precisam se exaltar! (risos) [...] Na Universidade não há preconceito. Sou tratado como qualquer outro. Todos me ajudam muito. “É um caso novo, e estamos aqui para aprendermos juntos”, dizem os professores. São muito humanos. Só estudei em escolas com pessoas que enxergam. E na PUC-SP não é diferente. Mas acompanho as aulas e os monitores me ajudam bastante. Nas provas, dito a matéria para um deles que escreve e a entrega ao professor. No escritório onde faço estágio uso um computador com software de voz. Estudo muito porque quero sair da PUC-SP como todos os outros alunos, muito bem formado para logo me tornar Promotor de Justiça. [...]


A presença de Layla na sala de aula causa algum tumulto?Não! Ela é muito querida! Quando a trouxe da primeira vez meus colegas falaram que não queriam mais saber de mim... Agora, era só o cachorro! Fui ‘trocado’ por ela... (risos) Na verdade, todos sabiam que eu queria muito um cão-guia e torciam para que eu o tivesse antes de terminar a faculdade para conhecê-lo. Eles elogiam meu esforço e me consideram bastante batalhador por tê-la conseguido porque sabem o quanto o processo de seleção nos EUA é rigoroso. Os professores consideram-na como uma espécie de “aluna privilegiada”. Alguns até se orgulham em dar aula ‘até para cachorro!”Há até quem me dispense da aula, desde que eu mande a Layla no meu lugar. O nome dela está no final da lista de presença em algumas disciplinas... (risos) Alunos e professores são muito carinhosos com ela. [...]



Como a Layla apareceu na sua vida? Demorei cinco anos para conseguir um cão guia. É extremamente difícil. Com ela, são apenas dez cães-guias no país. Enviei mais de 50 documentos em inglês para avaliação nos EUA. Foram vídeos no metrô, na rua, andando de bengala... A avaliação é rígida. Com base nisso tudo eles percebem até onde vai a autonomia do cego, se a família gosta de cachorro e outros aspectos. Aí, então, procuram um cão mais adequado ao seu perfil. Mas antes, querem saber tudo sobre a rotina do cego. Uma vez escolhido, começa um outro processo, o de aproximação entre o cego e o cão.

E o que mudou com a presença dela? Costumo dizer que voltei a enxergar em 22 de novembro de 2006, quando ela chegou. Minha vida melhorou 100%. Um cão-guia é fundamental na vida de qualquer cego. Fica mais fácil fazer as coisas, andar pela cidade, além de ser percebido pela sociedade de maneira mais positiva. Apenas com a bengala na mão há quem imagine que você vai usá-la para bater nas pessoas.

Além de linda, ela é comportada. Ela sempre chama a atenção? Ah, por causa dela as pessoas sempre vêm conversar comigo. O cachorro representa mais para a sociedade do que o cego. Sempre brinco que estou perdendo metade dos meus amigos para a Layla. Todos chegam perto, brincam com ela, acariciam. Só depois de meia hora de afagos nela é que me perguntam se estou bem... (risos). Outras pessoas eu nem conheço, mas quando me vêem perguntam com anda a Layla...

Como ela facilita o seu dia-a-dia? Ela procura degraus, escada, portas, embarque no metrô, locais de travessia. Tudo na vida do deficiente é complicado. Mas com o cachorro, não. O cego começa a andar muito mais rápido, né. O trajeto que eu demorava uma hora, agora faço em 20 minutos. É como se eu enxergasse! A primeira vez que vou a algum lugar com ela é preciso ter senso de direção. Da segunda, ele já acha tudo para mim. Embarco no metrô e ela me guia até o elevador do escritório. E quando saio de lá, ela me guia por ônibus e metrô até minha sala de aula na PUC-SP.

As pessoas são sempre receptivas? Em geral, sim. Não gosto de levá-la a lugares muito barulhentos porque a incomoda demais. Em restaurante, pizzaria, barzinho, cinema, vou tranqüilamente. E ela é autorizada a entrar em qualquer local público ou privado de uso coletivo pela lei federal.

PROJETO ÍRIS: [...] estamos muito empenhados em um projeto junto ao Instituto Íris para treinar cães no Brasil com padrões internacionais. Em Brasília existe a instituição Integra, mas eles não doam cães-guias para outros estados e nem treinam os cães com instrutores de acordo com as técnicas internacionais. O professor Antonio Carlos Malheiros, da Faculdade de Direito da PUC-SP, está dando muito apoio ao nosso projeto. Ele é um dos fundadores do Íris e conhece nossas necessidades [...] É preciso preparar as pessoas para entenderem o papel do cão-guia. A tendência é que tenhamos mais no Brasil. Nosso projeto está se empenhando não só para juntar recursos e treinar os cães com padrões internacionais, mas para preparar as pessoas para lidar com o diferente. Infelizmente vivemos numa sociedade extremamente capitalista, que valoriza muito pouco o ser humano. Com a evolução tecnológica, o respeito e a solidariedade ficaram de lado. As pessoas olham muito para si e se esquecem que quem está ao lado também precisa de uma mão e de oportunidades. Deficiência não é sinônimo de incapacidade. Não somos coitados nem seres de outro planeta como alguns costumam nos julgar. O que precisamos, como todos, é de oportunidade. Tem tanta gente com a visão perfeita que não faz nada da vida! Depois do acidente aprendi a viver com mais interesse e a superar obstáculos. (Eveline Denardi) O Instituto Íris é o único no Brasil com um instrutor reconhecido pela International Guide Dog Federation (Inglaterra), especialmente qualificado para esse fim na Royal New Zealand Foundation for the Blind – Guide Dog Services (Nova Zelândia) entre 1996 e 1999. Conheça melhor o projeto pelo 

site www.iris.org.br/quemsomos.asp Fundação Dorina Nowill




O Instituto IRIS - De Responsabilidade e Inclusão Social é uma entidade sem fins lucrativos, fundada em 2002 em São Paulo (SP), e tem a missão de desenvolver atividades que acelerem o processo de inclusão social das pessoas com deficiência visual.



Um comentário:

  1. Olá sou o Vitor Costa educador de cães guias em Portugal.Quero dizer que o vosso artigo está muito bem escrito.

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