A julgar pelos que defendem o conceito e a prática
da “cidade educadora”, a resposta é sim. [...] A cidade dispõe de inúmeras
possibilidades educadoras. A vivência na cidade se constitui num espaço
cultural de aprendizagem permanente por si só. Mas a cidade pode ser
“intencionalmente” educadora. Uma cidade pode ser considerada como uma cidade
que educa, quando, além de suas funções tradicionais – econômica, social,
política e de prestação de serviços – ela exerce uma nova função cujo objetivo
é a formação para e pela cidadania. Para uma cidade ser considerada educadora
ela precisa promover e desenvolver o protagonismo de todos e de todas –
crianças, jovens, adultos, idosos – na busca de um novo direito, o direito à
cidade educadora.
[...] Podemos falar em cidade que
educa quando ela busca instaurar, com todas as suas energias, a
cidadania plena, ativa, quando ela estabelece canais permanentes de
participação, incentiva a organização das comumidades para que elas tomem em
suas mãos, de forma organizada, o controle social da cidade. É a sociedade
controlando o Estado e o Mercado. A cidade educadora persegue a utopia das
cidades justas, produtivas, democráticas e sustentáveis que são aquelas que
conseguem “romper com o controle político das elites locais e com as formas
burocráticas, corruptas e clientelistas de governar” e estabelecem uma nova
esfera pública de decisão não-estatal, como o “orçamento participativo” e a
“constituinte escolar”, que já se tornaram emblemáticos nas gestões populares.
Já saímos do puro terreno das propostas nesse campo e novas experiências vêm
surgindo, em diferentes partes do país, levadas a cabo por diferentes partidos
políticos, que criam novas relações, novas formas de gestão, novos espaços de
negociação e estimulam a reapropriação das cidades por seus cidadãos. E não há
segredo nisso. Basta vontade política, apoiada numa ética que condene o segredo
burocrático e estabeleça a transparência, que incorpore o conflito com práticas de
negociação e que publicize a informação.
Em primeiro lugar precisamos aprender da cidade. Paulo Freire dizia que
o primeiro livro de leitura é o mundo. Para aprender da cidade precisamos ler o
mundo. Em geral nós ignoramos a cidade, estreitamos muito nosso olhar e não
percebemos, e algumas vezes até a escondemos, damos as costas para não ver
certas coisas que acontecem nela. Não queremos olhar certas coisas da cidade
para não nos comprometer com elas, pois o olhar nos compromete. Vejamos nosso
comportamento nos semáforos quando somos abordados por meninos e meninas de
rua. Nossa defesa e não olhar nos olhos deles e delas. Na cidade buscamos
tornar muitos seres invisíveis; até em nossas próprias casas quando aos
visitantes apresentamos toda a casa e não apresentamos a empregada ou a
faxineira que aí trabalham. Passamos por elas como se fossem seres
transparentes.
Precisamos de uma pedagogia da cidade para nos ensinar a olhar, a
descobrir a cidade, para poder aprender com ela, dela, aprender a conviver com
ela. A cidade é o espaço das diferenças. A diferença não é uma
deficiência. É uma riqueza. Existe uma prática da ocultação das diferenças,
também decorrente do medo de ser tocado por elas, sejam as diferenças sexuais,
sejam as diferenças culturais etc. Em geral, a nossa pedagogia dirige-se a um
aluno médio, que é uma abstração. O nosso aluno real, contudo, o aluno
concreto, é único. Cada um deles é diferente e precisa ser tratado em sua
individualidade, em sua subjetividade. Uma pedagogia da cidade serve também
para a escola construir o projeto político-pedagógico de uma “educação na
cidade”.
Moacir Gadotti
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